Há algum tempo a tatiana nascimento me trouxe essa ideia: e se fizéssemos um curso juntas, sobre corpos gordos e dar e receber amor na brava? Eu, claro, comprei a ideia de imediato.
A ideia seria falar sobre personagens gordas em narrativas de romance - seja a personagem gorda protagonista nesse romance, ou não (o que é, aliás, o mais recorrente).
A proposta é pensar a relação entre a noção que tantas pessoas gordas partilhamos - de não sermos merecedoras de amor - e a máquina de produção de sentidos que é o audiovisual - e mais atualmente, várias séries.
O sucesso recente de um seriado em que uma protagonista mulher gorda é assediadora sexual/stalker - que inclusive escrevi sobre aqui - renovou os ânimos de uma reflexão não tão recente sobre aspectos bastante arcaicos: será possível existir representatividade positiva, afirmada, profunda do corpo gordo e sua subjetividade nas produções audiovisuais, numa sociedade marcada pela gordofobia e sua incidência nas patologizações físicas e psíquicas de nossas existências gordas?
Para a oficina, pensamos em conversas sobre como os seriados e demais produções têm refletido ou refutado a onda “body-positiveness” na construção e retratação de personagens gordas, especialmente nas produções cujo romance é o tema central.
Se de um lado temos as imagens que ridicularizam os corpos gordos, sempre amparados pelo alívio cômico ou por imagens escatológicas, como a gorda nojenta e desprezível, o que nos sobra, enquanto imaginário?
Em contraponto, temos filmes recentes, como o “O dia que te conheci” , que traz personagens gordos e pretos para o protagonismo e esta não é, sequer, uma questão. Eles estão ali, apenas amando, sendo amados e vivendo seus próprios dilemas.
Recentemente, a Netflix lançou o filme brasileiro “Doce Família”, com protagonismo de Mariana Xavier, atriz gorda que, inclusive, celebrou a gravação de uma cena de sexo em que a personagem aparece de lingerie com o parceiro. É sim, uma narrativa diferente. Mas, não avança muito para além da onda do “ame seu corpo como ele é” e, em determinados momentos, reforça estereótipos bastante preocupantes, como quando o parceiro dela diz que ela é uma pessoa linda por dentro. Precisava?
Me pergunto quando vamos ter narrativas com personagens gordes sem que este seja o tema principal, mas cujas existências sejam de protagonismo. Quando vamos deixar de lado o pudor e trazer personagens gordes para a cena com sexo, sem animalização, fetiche ou vingança?
Sendo assim, será que estamos conseguindo sair do velho papel da gorda-melhor-amiga? ou da gorda que se esforça para caber nas expectativas alheias?
Para a conversa, vamos trazer também a interseccionalização com outros marcadores identitários de vulnerabilização – como classe, sexualidade, raça/etnia, identidades de sexo/gênero contra-hegemonias –, traz que tipos de complexidade/s ao debate?
Existe personagem gorda feliz e amada na tela? ou não existe? ou quase existe? é possível ao corpo gordo amar, nos ecrãs que subrepticiamente educam tanto sobre o amor por outres e também por nós mesmes?
Existem imagens em movimento mostrando se pode o corpo gordo ser amado?
Aos corpos gordos no imaginário, é possível um amor bonito? Ou é sempre recortado por personagens como o de bebê rena: um homem branco, hétero, cio, MAGRO e perseguido por uma mulher gorda? Existirá, de alguma forma, amor gordocentrado?
É possível uma representação em que o corpo gordo não seja um problema a ser resolvido? Que a personagem não precise ser curada do trauma de ser gorda? É possível um imaginário de apenas amor?
E, sem esses imaginários, como construímos nossa autoestima e autopercepção? Nos entendemos corpos dignos de dengo?
Como podem ver, temos mais perguntas que respostas, mas, vamos refletir sobre todas elas na brava! Vem também para “cabe dengo em corpo gordo?”, que acontece no próximo domingo (20) das 10h às 13h na Brava.
IDEALIZAÇÃO E FACILITAÇÃO:
Jéssica Balbino é cria da rua é do hip-hop, jornalista, mestre em comunicação pela Unicamp, colunista do Estado de Minas e produtora de conteúdo para a revista TPM. Escreve sobre corpo, diversidade, literatura e periferia. É autora dos livros "Gasolina & Fósforo" e "Traficando Conhecimento". Atua também como curadora de literatura, corpos, conhecimento e conteúdo. Viciada em café, tem medo de estátuas e acredita que as narrativas em disputa podem transformar o mundo. Nas horas "vagas", é psicanalista.
tatiana nascimento é de brasília, mãe da Irê, NB. gosta de novela, de cantar, de escrever poemas. sonha bastante, até acordada. tem um bocado de livros publicados, foi finalista do jabuti de poesia 2022, publicou + de 60 títulos de autoria LGBT/negra pela padê (que não é cocaína) editorial. criou o conceito "cuírlombismo literário" pra pesquisar literatura negra lgbtqi+.
Que reflexão necessária e profunda. Amei. ❤️👏👏