Ninguém vai nos tirar para dançar; precisamos fazer nosso próprio baile
eu escolho ter uma morte bonita, na golden hour, meu corpo caindo de forma espiralar, enquanto acaba, não, enquanto recomeça
pra ler ouvindo 📚
“O mundo sempre tentará nos derrubar, e quando eles tentarem, nós sorrimos. Porque sabemos quem somos.”
Eu sou a garota do canto do baile. Sozinha. Solitária. Aquela que ninguém tira para dançar. Passei a adolescência inteira e parte da vida adulta quebrada. Dizendo aos quatro ventos que não gostava de Carnaval ou de festas e baladas. Descobri, recentemente que sim, eu adoro. Assim como eu gosto de dançar. O que eu não gosto é da gordofobia. É do que ela me transformou. É de quem ela fez eu me sentir. E esse alguém, no canto do baile não sou eu.
Demorei alguns anos, muitas leituras e muito divã para sacar que isso não muda. Não vão me tirar para dançar no baile tradicional. Se eu quiser rebolar a minha raba, terei que fazer meu próprio baile.
E, deusas, como isso é cansativo. Porque não é só ir ao baile. É fazer todo seu próprio baile. Mas, aqui cabe a pergunta: eu quero estar no baile tradicional? Eu quero passar o restante da minha vida à espera de um convite que não chega? Eu quero me encolher no canto e tentar passar despercebida? Ou eu quero chegar deslumbrante, dançar até fazer calo no pé, ou como diria Chacal: “Vai ter uma festa que eu vou dançar até o sapato pedir pra parar. aí eu paro tiro o sapato e danço o resto da vida”.
Eu quero dançar a vida. E quero que, no meu baile, gente igual também dance. E seja tirada pra dançar. E a gente rebole no ritmo de cada não nesse país desgraçado.
É claro que eu estou exausta do mundo como ele é. Sequer acredito numa continuidade e esse alarmismo todo diante dos políticos e das decisões todas me deixa ainda mais cansada.
Tá. Vai acabar tudo. Vai acabar como conhecemos. E talvez seja bom. Talvez a gente acabe também. Mas, enquanto acaba, eu penso em Don L e enquanto recomeça. Me recuso a ter uma morte cheia de medo.
Quero cair de um jeito próspero, na golden hour, descalça, estilo Queen & Slim fugindo pra Cuba. Estilo Bonnie & Clyde.
Quero que meu baile seja terra fértil para sonhos. Para o futuro - ainda que fabulado e imaginado - para a dissidência. Para o que podemos pensar e provocar num lugar só nosso, onde eles não vão acessar. Cansei de “tentar ocupar espaços”. Vou hackear o que der. Trazer pra gente, te estender a mão e convidar a uma, ou muitas danças, nas casas todas que vamos construir, nas nossas gargalhadas infinitas, nos nossos corpos desconfigurados, “errados”, tortos.
Não haverá tempo para legados. Mas gosto de imaginar que sim.
Esse texto é um convite: vem dançar comigo, vem?
ainda que eu fale de amor
ainda que eu fale de infância
ainda que eu fale de fantasmas que me assombram
como as que eu perseguia nos anos sem internet e conexões
ainda que eu fale de ternura e zelo
ainda que eu fale da saudade exata que eu tenho daquela rua - específica - depois que chovia
ou do banzo que sinto quando vejo quintais com caquinhos ou casas com pedras marrons nas paredes - aquelas mesmas pedras
ainda que meus poemas digam de viagens, das pessoas que desejei
da fome que me devora em vários encontros
ainda que eu fale o nome de todos os prisioneiros
que eu cite, um por um, todos abusadores
que eu relembre de toda injustiça
que eu clame por esperança
ainda que eu cite nomes de presidentes
que eu grite ‘fora _______ (insira aqui uma palavra de ordem)’
ainda que eu fale o nome de cada uma das vítimas
e relembre a alcunha dos quebradores de vidraças
ainda que eu cite movimentos, países e lugares paradisíacos
que eu fale de ilhas, revoluções e rumba
ainda que eu grite seu nome durante a madrugada
num corredor escuro de hotel
ainda que eu chore por dias seguidos
que eu faça luto de todas minhas perdas
ainda que eu incendeie meu corpo em praça pública
junto com meu diploma e alguns sutiãs
e mesmo que eu fale de Angela Davis
e Paul B Preciado num mesmo verso
ainda que nada do que eu escreva tenha rima
e mesmo que eu rebole no ritmo de cada não
ainda que eu empunhe cartazes e palavras de ordem
com o punho erguido, bradando por justiça
ainda que eu escreva sobre o horror
e como é estar inscrita nestes anos de um país desgraçado
ainda que
toda vez que pego o lápis, o papel, a caneta e meu bloco de notas
todos os meus poemas
tudo que escrevo
todo meu corpo
é político
jb
Oficinuda 👩🏽💻
Bora comigo pro curso “meu corpo, minha biografia” em MODO PRESENCIAL que vai rolar a partir de hoje no @sescflorencio em SP!
É gratuito e eu já tô muito animada pra gente se encontrar, se abraçar e, trocar tanto ao vivo, olhando no olho!
Neste curso eu falo um pouco sobre a escrita a partir do próprio corpo, levo alguns autores que fazem parte da minha escrita e a gente faz alguns (ok, são vários) exercícios de escrita criativa a partir do corpo.
Vem? 🔥
🚩 Meu corpo, minha biografia
👤 Com Jéssica Balbino, escritora e jornalista (@jessicabalbino_)
📆 De 10 a 19/2. Segundas e quartas, 17h30 às 20h.
👩🏾💻 dizem que as inscrições já estão esgotadas, mas sempre tem alguém que desiste e/ou não consegue ir, então, se você quiser, só colar que a gente dá jeito!
LAB DELÍRIO 🔥
"Como os festivais, os levantes não podem acontecer todos os dias - ou não seriam 'extraordinários'. Mas tais momentos de intensidade moldam e dão sentido a toda uma vida" [Hakim Bey]
Esse espaço foi feito pensando em você e em todas as pessoas que desejam criar, se conectar e experimentar a escrita em um ambiente acolhedor, diverso e repleto de possibilidades. No Lab Delírio, a proposta é reunir mentes inquietas, apaixonadas pela prática da escrita em diferentes formatos e gêneros, que busquem explorar novas perspectivas, romper padrões e mergulhar em formas criativas – e sim, delirantes – de compartilhar suas ideias.
O nome Lab Delírio reflete a ousadia de imaginar e construir uma zona autônoma temporária (um abraço ao conceito de Hakim Bey), onde hackeamos os espaços digitais para dar vida a uma pequena sociedade independente. Aqui, liberdade, autonomia e delírio se unem para criar um lugar único, onde escrever se torna um ato coletivo, poderoso e transformador.
Nosso convite é para trabalhar seu projeto editorial em um espaço de trocas reais, com atividades cuidadosamente pensadas para ampliar seus horizontes criativos. Escrever e criar não precisam ser processos solitários – no Lab Delírio, acreditamos no poder da partilha.
Como funciona?
Serão três encontros semanais, cada um com duas horas de duração. Durante os encontros, vamos explorar:
Leituras e debates: Textos enviados previamente serão discutidos em grupo, promovendo reflexões profundas e trocas enriquecedoras.
Exercícios de escrita criativa: Atividades práticas que estimulam a criação em diferentes gêneros literários, desafiando você a explorar novas possibilidades.
Partilha e escuta: Um ambiente seguro e inspirador para que você compartilhe suas produções, receba feedback e se conecte com outras pessoas que amam criar.
📚📢 fora do hype
"Mo": muito mais do que uma série, um tratado sobre o sorriso na tragédia
Descobri, sem querer, essa série na Netflix. Que presente, minha gente!
Ela conta a história de Mohammed Amer, um comediante palestiniano, refugiado, desde os 9 anos, nos EUA. "Mo" é ficção baseada na realidade do protagonista: uma comédia dramática brilhante e intensa.
Em duas temporadas, a obra mistura humor, afeto e drama na dosagem certa e de maneira impecável, apostando numa figura que vive com sua família nos EUA e, despertencido de território, tenta sobreviver, ajudar a mãe, um irmão com autismo (ainda não diagnosticado), enquanto tem um romance com uma mexicana que é naturalizada e se debate numa espiral moral, entre se casar e conseguir o sonhado Green card ou lutar, na justiça, para se provar cidadão norte-americano.
Vindo do Kwait, fugindo da guerra, Mo perdeu o pai ainda jovem e vive às voltas de Huston em seu carro, ora vendendo produtos falsificados, ora tentando um trabalho honesto, ora encontrando uma fazenda de azeite - onde sua mãe pode fabricar o azeite palestino que é, enfim, a matéria escorregadia boa da série e ora fugindo de traficantes com quem se envolve sem querer e vai parar no México, de onde enfrenta um sequestro, uma briga com Coyotes, a prisão e uma série de desafios para retornar aos EUA, onde fica deportado, sem poder regressar à Palestina e sem ser cidadão estadunidense.
O texto é um ponto delicioso da obra, cujo ator emprega as habilidades adquiridas no stand-up comedy para contornar o público e manipular as expectativas, encontrando um caminho que leva sempre ao inusitado, imprevisível, inesperado.
A série não poderia ser mais atual. E não poderia dialogar mais com o texto escrito a cima. Mo Amber faz, com os amigos palestinos e nigerianos, o próprio baile. A própria forma de viver a vida. O próprio jantar de Ação de Graças, com comidas como jallof, tamales e, claro, azeite palestino.
A chave de tudo está no caímos do ator protagonista, que não tem uma vida fácil, pelo contrário: todas as mazelas a que uma pessoa pode ser submetida lhe ocorrem, mas ele consegue levar isso de uma forma ímpar, fazendo com que o espectador não apenas se identifique, mas torça e vibre com ele - inclusive nos momentos que o odeia.
A única coisa ruim da série: são apenas duas temporadas divididas em 16 episódios. Eu seria capaz de ver muitos outros e me deliciar com a trama, que é falada em inglês, espanhol e árabe, trazendo a periferia do mundo para o centro de tudo. Aperta o play, corre, me ajuda a hypar essa preciosidade, vai!
festa de leitura 📚🔥
O Podcast Rabiscos realizou, na última semana, em Poços de Caldas (MG), um novo formato de encontro literário no Brasil: a Festa de Leitura. Inspirada na Reading Rhythms de Nova York, essa experiência propõe um novo jeito de se conectar com a literatura e com as pessoas ao nosso redor, tornando o ato de ler uma vivência coletiva e afetiva.
A ideia surgiu de uma experiência em um encontro intimista na casa do escritor e apresentador Tadeu Rodrigues, ao lado da também apresentadora do podcast, Jéssica Balbino, amigos, ouvintes e amantes da literatura se reuniram para uma experiência de leitura compartilhada, acompanhada de trocas, conversas, vinho e petiscos.
A noite teve como centro a obra "Quem Matou Meu Pai", do escritor francês Edouard Louis, publicada no Brasil pela editora Todavia. A leitura foi permeada por reflexões sobre as relações entre literatura, política e identidade. O livro, um relato potente e pessoal sobre as violências sociais que moldam vidas, provocou debates sobre classe, afetos e memória.
O evento reforçou a vocação do Rabiscos para aproximar leitores e promover trocas significativas em torno da literatura contemporânea. Mais do que uma roda de leitura, a Festa de Leitura é um espaço de convivência e partilha, reafirmando o papel da literatura como ferramenta de encontro e transformação. Diferente de um Clube de Leitura tradicional, a leitura compartilhada envolve tempo de leitura em um local pré-determinado e público, onde as pessoas dividem o silêncio, sem conexão tecnológica, e depois partem para conversas e interações.
A Origem da Festa
A inspiração veio do Reading Rhythms, projeto criado por Ben Bradbury e Tom Worcester, que perceberam que a rotina corrida fazia com que lessem cada vez menos. Para mudar isso, passaram a organizar encontros em que um grupo de pessoas se reunia para ler silenciosamente por um período determinado e, depois, compartilhar suas experiências. A iniciativa cresceu e se tornou um fenômeno em Nova York, reunindo mais de doi mil participantes em diversos eventos literários ao longo de um ano.
A primeira edição no Brasil
O Rabiscos trouxe essa ideia para o Brasil e organizou a primeira Festa de Leitura em um formato intimista. “Nossa ideia é fazer com que o projeto ocorra mais vezes, em novos formatos, abrindo e ampliando cada vez mais o público”, conta Tadeu Rodrigues, que lembra que em 2024 o podcast Rabiscos realizou duas edições abertas ao público em praças, em parceria com a Mostra Integrada de Artes (MIA). Centenas de pessoas participaram das leituras ao ar livre, criando um ambiente de troca, conexão e pertencimento.
“Sabemos que o cenário da leitura no Brasil não tem os melhores números, mas acreditamos que iniciativas como essa miram a contramão das estatísticas e provam que, sim, as pessoas querem e gostam de ler e desafiamos essa máxima de que para ler é preciso silêncio, ‘um teto todo seu’ e/ou outras coisas que só servem para nos afastar dessa prática que é tão prazerosa, sobretudo se coletivizada”, completa Jéssica Balbino.
A próxima Festa de Leitura ainda não tem data definida, mas de acordo com o podcast, ela será realizada em um local público e aberto, permitindo a participação de todas as pessoas interessadas. A ideia é simples: um espaço para se reunir, ler coletivamente, trocar ideias e estabelecer conexões através da literatura.
Sobre o podcast Rabiscos
Criado em 2018, o podcast Rabiscos se consolidou como um dos principais espaços de discussão sobre literatura no Brasil, trazendo escritores, críticos e leitores para conversas. Já passaram pelo podcast autores como Itamar Vieira Junior, Marcelino Freire, Mel Duarte, Leonardo Piana, Cidinha da Silva, Giovana Madalosso, Aline Bei, entre outros. Já esteve presencialmente em eventos como Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei), Flip, Flipoços e outras.
Mais informações: bit.ly/podcastrabiscos
Quanta coisa boa a gente deixa de fazer pelo medo do que as outras pessoas podem pensar ou fazer... Pra vc foi dançar, pra mim foi fazer qualquer tipo de esporte. Era sempre a última a ser escolhida pra uma equipe durante a aula de educação física, morria de medo desses momentos. Demorou pra eu aprender a gostar de me exercitar, mesmo fazendo algo sozinha, reflexo desses traumas de menina. Mas a gente vai aprendendo a se libertar do que nos aprisiona e hoje não imagino minha vida sem a sensação boa que só uma jornada de exercício pode proporcionar.
Eu nunca tive vergonha de dançar. De um jeito muito... Próprio. Quando eu era magra, o máximo que isso me rendeu foi encheção de saco de namorado abusivo. Quando eu engordei (nos vários tamanhos que já tive), já não era mais tão simples. Tinham olhares ou simplesmente pensamentos intrusivos pra atrapalhar minha dança, tinham gordes sentades enquanto eu estava na pista. E aí eu comecei a dançar de propósito, seja pra incomodar, seja pra encorajar quem estivesse sentade.
Cheguei a escrever um texto sobre isso, preciso resgatá-lo.
Agora já quase não danço, por causa da fibromialgia. Se um dia eu voltar, ótimo. Se eu nunca voltar, foi bom enquanto durou.
(O trauma que ficou foi das baladas de forró. Mesmo quando eu era magra, não me tiravam pra dançar. Ficava sozinha num canto enquanto o resto da turma rodava de par em par. Peguei ranço. Comecei a preferir lugares onde eu pudesse dançar sozinha.)
(Só uma observação: apesar da fórmula "pessoa com deficiência" ser a correta quando se trata de deficiências em geral e da comunidade PcD como um todo, autistas geralmente preferem ser chamados mesmo só de "autista" ou "pessoa autista", sem o "com". Tem a ver com a forma como o autismo interfere tanto no nosso jeito de ser e de experimentar o mundo que a gente sente que não dá pra separar nossa pessoa do nosso autismo.)